Historial de Real

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CLASSIFICAÇÃO DE BENS IMÓVEIS

IDENTIFICAÇÃO

  • Património Arquitectónico  X Património Arqueológico  Património Misto
  • Designação/Nome: Igreja Paroquial de Real.
  • Outras Designações: Igreja de S. Raimundo.
  • Local/Endereço: Santa Comba, Real – Vila Meã.
  • Localidade: Real.
  • Freguesia: Vila Meã.
  • Concelho: Amarante.
  • Distrito: Porto.

CARACTERIZAÇÃO

  • Função Original: Religiosa (Culto).
  • Função Actual: Religiosa (Culto).
  • Enquadramento: Situada no antigo lugar de Santa Comba, numa colina sobranceira ao cemitério, com fachada voltada para sul, donde se vislumbra um belo panorama abrangendo a zona de Ataíde e terras de Penafiel e Marco de Canaveses.
  • Descrição Geral: Igreja de planta longitudinal, composta por nave com coro, capela-mor e sacristia. Fachada rebocada e pintada de branco, coroada por frontão octagonal com remate em empena sobrelevada. Portal poligonal (replicado nas fachadas laterais), ladeado por dois óculos em forma de estrela de oito pontas, encimado por três janelões moldurados, o do centro com remate em cruz latina, acima do qual se abre um nicho moldurado, hexagonal, com a estátua de S. Raimundo Nonato. Adossada ao corpo principal da igreja, encontra-se a torre sineira (a poente), em três registos: o primeiro com cornija sobrelevada e pináculos nos cunhais; o segundo, percorrido por cantaria e cornija, com relógio ao centro; o último, também percorrido por cantaria, rematado por arco quadrilobado, apresenta quatro sineiras molduradas, de hexágono irregular, e cobertura piramidal.

Pavimento da nave em tacos de madeira, tecto pintado com painéis geométricos, envolvendo outros painéis pictóricos com a representação iconográfica dos quatro evangelistas, ladeando a imagem do Salvador do Mundo (ao centro): S. Marcos (com o leão) e S. Lucas (com o touro) do lado da Epístola; S. Mateus (com o anjo) e S. João (com a águia), do lado do Evangelho.

Paredes laterais rebocadas e pintadas em tons de cinza com motivos geométricos e florais estilizados. Sobre as portas, com sanefas, dois painéis pictóricos com representação da Ressurreição de Cristo (lado da Epístola) e da Pietá junto à Cruz do Calvário (lado do Evangelho). Coro alto de madeira, de parapeito (com aberturas rectangulares) pintado de castanho, com acesso por escadaria exterior.

À entrada da nave (lado do Evangelho), o Baptistério, com acesso por portal em granito, de arco de volta perfeita, com portão em ferro pintado de branco, sobrelevado por cruz negra, em forma latina, tem pia baptismal de granito encimada por pintura representando o baptismo de Jesus Cristo. Ainda do mesmo lado, púlpito de base rectangular de granito moldurado, assente em mísula do mesmo material, parapeito policromado, degraus em granito adossados à parede, com corrimão em madeira policromada.

Os altares laterais, pintados em pastel e dourado, com sacrário, colunas policromadas, com capitéis coríntios em dourado, são dedicados a S. Raimundo Nonato e Nossa Senhora de Fátima (lado da Epístola) e a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e ao Sagrado Coração de Jesus (lado do Evangelho). Ainda do lado da Epístola, num pequeno altar, pintado em tons de pastel, ergue-se a imagem de Santa Maria Goretti; na mesma parede expõe-se um quadro com representação dos condenados ao Inferno apelando à intervenção da Virgem; mais à frente, em duas mísulas de talha dourada, ergue-se nova imagem de Nossa Senhora de Fátima e a do Menino Jesus, em pé, sobre o Globo. Do lado do Evangelho, numa representação de dramático realismo, expõe-se, em tamanho natural, a figura de Cristo Crucificado; mais à frente, em mísula de talha dourada, ergue-se a imagem de S. Sebastião.

Arco-triunfal de volta perfeita, assente em duas grandes colunas poligonais, de 12 faces, com capitéis replicando o desenho do fuste, ladeado por duas mísulas colaterais, em talha dourada, onde assentam as imagens de Santa Luzia (lado da Epístola) e de Santo António (lado do Evangelho). Sobrepojando o arco, um artístico painel pictórico dedicado a S. Raimundo Nonato, envolvido pela seguinte legenda: “S. Raimundo Nonato protegei as mães antes e depois do parto”.

Capela-mor de pavimento desnivelado, em granito, mosaico e cimento (coberto por alcatifa), paredes pintadas em rosa velho com motivos geométricos estilizados, com dois painéis pictóricos representando o Bom Pastor (lado da Epístola) e a Ceia em Emaús (lado do Evangelho).

No altar-mor, em talha policromada, com sacrário e trono piramidal de cinco elementos, erguem-se duas imagens: a de Sant´Ana, Virgem e Menino (lado da Epístola) e (julga-se) a de Jesus Cristo com ceptro na mão esquerda (lado do Evangelho). O altar-mor é enquadrado por uma monumental estrutura arquitectónica, em granito, de concepção neo-clássica, com remate em frontão triangular onde se inscreve a seguinte legenda “Aqui está Jesus”. Essa estrutura é ladeada por dois nichos em granito moldurados em talha dourada, assente sobre as portas de verga recta (também em granito) que dão acesso à sacristia. Nesses nichos erguem as imagens de Nossa Senhora da Conceição (lado da Epístola) e do Divino Salvador (lado do Evangelho). Ao longo das paredes laterais da nave e da capela-mor sobressaem, em alto-relevo, 14 Cruzes de Malta, simbolizando as Estações do Calvário de Jesus.

CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICO-ARTÍSTICA

  • Época(s) construtiva(s): Século XX (1938).
  • Síntese histórica: A freguesia de Real foi extinta em 2013, no âmbito da reforma administrativa, tendo sido agregada às freguesias de Ataíde e Oliveira para formar uma nova freguesia, a União da Freguesias de Real, Ataíde e Oliveira, que passaria a designar-se oficialmente freguesia de Vila Meã desde 5 de Junho de 2015. Fez parte, e foi cabeça do concelho de Santa Cruz de Riba Tâmega, cuja sede era no seu lugar de Vila Meã, desde a Idade Média até 24 de Outubro de 1855. A partir daí passou para o concelho de Amarante.

O topónimo Real, como actualmente se escreve, nada tem a ver com o primitivo Rial, ou S. Salvador de Rial, tal como consta nas Inquirições de 1220 (D. Afonso II) e 1258 (D. Afonso III). Rial (conjunto de várias nascentes) deriva de rigu e não de rex. A topografia demonstra que essa denominação fazia (e faz) todo o sentido.

Nas referidas Inquirições de 1220 havia na freguesia onze casais que pertenciam à Igreja, sete ao mosteiro de Mancelos, três ao Mosteiro de Bustelo, um ao de Travanca e dois à Igreja de Vila Cova.

Em 1258, o povoamento compunha-se de 27 casais e duas quintanas, uma das quais era honra do nobre João Martines, de Ataíde. Da igreja (que era padroado particular) devia o rei receber um morabitino por ano e os seus abades eram obrigados a ir com o rei na hoste, como capelães.

É citada no foral que o rei D. Manuel I concedeu ao concelho de Santa Cruz de Riba Tâmega em 1 de Setembro de 1513. Nele se referem os impostos a pagar por alguns casais, bem como o Abade, nos seguintes termos:

Título de Rial

Item João Gonçalves, do Outeiro, disse que trazia um casal doutro, que é de Dona Joana, por prazo. Paga dele ao senhor da terra meia espádua de porco e dez reais em dinheiro e soía de pagar pela espádua quinze reais e agora paga sessenta reais.

Item Gonçalo Álvares, da Fonte, traz um casal do Outeiro, que é do mosteiro de Bustelo, por prazo. Paga dele ao senhor da terra meia espádua de porco e doze reais em dinheiro.

Item João Dias, da Ponte, traz um casal de Bustelo e oito alqueires de milho e vinte e dois reais em dinheiro. E que ele ouvira dizer a seu pai que por esta espádua se havia de pagar trinta reais e agora ele, João Dias, cem reais por ela ou a espádua.

Item, o abade da Igreja de Rial paga um maravedi ao senhor da terra.

No século XVIII, a igreja era citada como sendo Abadia do Mosteiro de Travanca, o que obrigava o abade de Real a dar todos os anos um jantar à comunidade monástica de Travanca; rendia 350 mil reis e tinha 160 fogos. Tinha sete capelas: S. Tiago e S. Brás, no lugar de Real de Além, fábrica de Fernando de Magalhães de Meneses, morador nesse lugar; Nossa Senhora da Luz, no lugar do Mato, fábrica do referido Fernando de Magalhães de Meneses (demolida no século XX); S. Roque, na Ponte de Pedra, fábrica dos moradores da freguesia; S. Gonçalo, no lugar do Salvador, fábrica de Manuel Duarte Teixeira, do mesmo lugar (demolida nesse século, mais tarde levantada e demolida novamente no século XX); Menino Deus, no lugar de Vila Meã, fábrica de Pedro da Silva (actualmente em ruínas); Santa Comba, no lugar do mesmo nome, fábrica de Caetano Luís da Silva, morador no lugar da Terça, igualmente demolida no século XX e a capela de Santo António, no lugar do Carvalho, administrada em 1758 por Luís António de Vasconcelos. Restam, em bom estado de conservação, as capelas de S. Brás, Santo António e S. Roque. Apenas esta última é património paroquial. As outras são pertença de particulares.

O projecto da Igreja de Real é da autoria de José Vilaça, um arquitecto que teve grande destaque nos inícios do Estado Novo. Ligado à recuperação de monumentos nacionais, a ele se devem algumas obras significativas de carácter revivalista na zona centro do país (Tomar e Coimbra, por exemplo) e sobretudo no Minho (Braga, Barcelos e zona da Ribeira-Lima).

Dedicada a S. Raimundo Nonato, a Igreja foi sagrada a 30 de Agosto de 1938 pelo Bispo do Porto D. António de Castro Meireles. A sua inauguração (segundo o semanário amarantino Flor do Tâmega), ocorreu no dia seguinte. Esta informação contraria o que se lê na pedra evocativa desse acto, que se encontra numa das paredes laterais do edifício. A data aí inscrita é a de 3 de Setembro de 1938.

Na altura da sua inauguração, as obras não estavam ainda concluídas, faltando-lhe a torre. Na missa inaugural, celebrada pelo Bispo do Porto, as cerimónias religiosas envolveram também os padres José Marques da Silva (mestre de cerimónias da Mitra), Joaquim Carvalho de Sousa (flâmulo do Bispo), Manuel da Rocha Barbosa (de Banho e Carvalhosa), Álvaro Morais Ferreira e Manuel Rebimbas (de Amarante), Abel de Araújo Moreira Lopes (de Castelões), Joaquim Soares Moreira (de Mancelos) e ainda o pároco de Duas Igrejas. O sermão foi proferido por Manuel Dias da Costa, padre da Foz do Douro. Embora presente, o padre de Real, Dr. António Ferreira, não pôde tomar parte nas cerimónias devido a “incómodos reumáticos”.

As cerimónias prosseguiram, às seis da tarde, com uma imponente procissão na qual se integraram três Bandas de Música (Amarante, Figueiró e Vila Boa de Quires). O percurso foi longo, obrigando a uma paragem, para descanso, no Monte das Cruzes. Recolhida a procissão, foi a vez do Bispo subir ao púlpito para pregação aos fiéis.

A Igreja de Real foi construída num terreno doado por José da Rocha, José de Vasconcelos e Rui Teixeira de Sousa. As obras, que se prolongaram por três anos, atingiram o valor de 350 contos; o Estado contribuiu com 120. Os restantes 230 foram dados pela comunidade vilameanense no Brasil. Segundo António Pinto Marques (já falecido), Raimundo Magalhães contribuiu com “uma importância avultadíssima” e promoveu, “entre os seus inúmeros amigos, uma subscrição que permitiu atingir uma quantia elevada”. Generosas (embora também não quantificadas) foram as contribuições de Elísio, Rodrigo e Óscar Magalhães. O mesmo poderá dizer-se das dádivas dos irmãos Joaquim, Rodrigo e António de Oliveira Carvalho. Sabe-se (pelo referido semanário Flor do Tâmega) que a contribuição de Rodrigo de Oliveira Carvalho foi muito elevada para a época: 20 contos. Foi, seguramente, o mesmo valor que cada um dos outros irmãos deu. A eles se deveria, aliás, a conclusão das obras da Igreja, bem como a oferta do relógio da torre, que custou 27 contos. A sua obra mecenática foi reconhecida pela paróquia, com a exposição (na sacristia da Igreja) dos retratos a óleo de Joaquim e de Rodrigo. O retrato de António (por vontade expressa do próprio) não foi realizado.

BIBLIOGRAFIA

Foral de Santa Cruz de Riba Tâmega, Amarante, Câmara Municipal de Amarante, 2008.

Francisco Xavier da Serra Craesbeeck, Memórias ressuscitadas da Província de Entre Douro e Minho no ano de 1726, 2 vols., Ponte de Lima, Edições Carvalhos de Basto, 1992.

José Viriato Capela (e outros), As Freguesias do Distrito do Porto nas Memórias Paroquiais de 1758 – Memórias, História e Património, Braga, 2009.